segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Liberdade de Expressão - Para acabar com as dúvidas



Este meu post que aborda o tema das caricaturas e a liberdade de expressão, originou algumas dúvidas, visto que várias pessoas me abordaram para expressarem o seu desacordo em relação ao que escrevi. Dada a quantidade de posts que já fiz sobre este tema, espero que este texto seja suficientemente claro para acabar com as dúvidas.

A liberdade é um pilar fundamental na construção da democracia europeia, responsável pela edificação de uma sociedade pacífica, onde cidadãos de diversas culturas e religiões podem conviver normalmente. A Europa tem um marco histórico de liberdade, base na qual assentam os valores da nossa cultura ocidental. Este marco sempre constituiu um elemento de civilização madura, um exemplo para as mais jovens democracias do mundo.

A liberdade de expressão constitui o rosto do exercício pleno de liberdade dos cidadãos, num determinado espaço. A coerção, a censura e outras formas de repressão de liberdade marcaram a história da Europa, com marcas terríveis e profundas. A Europa aprendeu da pior forma possível, que apenas num espaço livre e tolerante, as sociedades seriam capazes de conviver.

Desta forma, afirmo categoricamente que a liberdade de expressão necessita de ser preservada a todo o custo, como último reduto de uma sociedade liberta de qualquer instinto de censura, onde o medo não pode nem deve imperar. Assim, nada nem ninguém tem o direito e o poder de censurar qualquer publicação de um jornal. Essa função apenas cabe aos editores e jornalistas do referido jornal.

As reacções à publicação de certos cartoons despertaram a revolta do mundo árabe, insurgindo-se contra o ocidente. A revolta e o descontentamente não são acções proibidas. A discordância é um facto completamente aceite em democracia. Porém foi-se mais longe. A revolta acabou por ter contornos violentos, culminando em actos absolutamente inaceitáveis de destruição de embaixadas. Os países onde tal aconteceu, para além de terem o dever de zelar pela integridade da embaixada e dos seus ocupantes, pouco ou nada fez, revelando a sua total indiferença para com o assunto.

Os muçulmanos sentiram-se ofendidos com as caricaturas. Não sei se têm razões para isso, já que não conheço as suas culturas o suficiente, embora não creio que fossem assim tão assustadores. Mas vamos considerar que sim, que ficaram ofendidos com aquilo que denominam, um ataque à sua religião. Se assim fosse, o descontentamento deveria ter sido canalizado por métodos pacíficos para acções onde mostrassem o seu desagrado pelas publicações, e reclamassem junto de diversas entidades. Jamais seguir o rumo que se seguiu.

Sejamos francos, os países onde os confrontos e os protestos foram mais violentos são países onde a religião e estado são as duas faces da mesma moeda. Falar em liberdade num país autoritário onde o líder do país é idêntico ao líder religioso, é algo que simplesmente não é possível.

Voltando ao problma inicial. Porque razão não podem existir limites à liberdade de expressão? Apenas cada um pode delimitar os limites da sua liberdade, consoante a sua própria consciência. Como tal, é impossível traçar uma linha que una todas as pessoas quanto a um limite de liberdade de expressão. Porém, como JPP refere, a liberdade de expressão tem limites na prática. Limites estes, que procuram evitar que as outras liberdades sejam transgredidas. Porém, o princípio continua a ser o mesmo! O cidadão mantém uma liberdade de expressão plena, mantém o poder de a executar como bem entender, de acordo com aquilo que acha melhor. É neste poder, que se joga o âmago da liberdade de expressão.

Todavia, voltam à carga e questionam-me: Mas então não terei o direito a que não me ofendam? Ou tornando a questão mais difícil, não terei o direito de prevenir que a minha religião seja insultada, já que considero que isso constitui uma ofensa para mim mesmo? A primeira coisa que digo é colocar a seguinte questão: O que gostaria que fosse feito? A resposta é sempre a mesma, mais ou menos elaborada: Estabelecer limites, parâmetros, condições, etc. Ou seja, limitar a liberdade de expressão. Assim, resposta à pergunta inicial, infelizmente, é não. É uma realidade que não vivemos numa sociedade perfeita, e como tal, cabe a todos nós contribuirmos para a construção de uma melhor sociedade. É compreensível que as ofensas religiosas possam causar revolta em muitos dos fiéis, mas é necessário que os cidadãos compreendam que não é pela implementação de leis, parâmetros ou condições que é possível atingir uma solução. Primeiro de tudo, abre-se um precedente. Aquilo que começava por ser uma pequena contribuição para a sociedade, aos poucos torna-se a base para outras e mais elaboradas alterações. E inconscientemente, perde-se o rumo, ou melhor, perde-se o sentido da liberdade. Segundo, coloca-se o problema da regulamentação. Para além de estarmos a falar do conceito de ofensa em cada cidadão, que é necessariamente diferente em cada um, a religião é a segunda parte do problema. Quer queiramos quer não, esta faz parte da discussão, e não podemos ignorá-la, como faz JPP.

O nível da reflexão centra-se agora no cidadão, em cada um de nós. Percebido que a liberdade de expressão é um conceito pleno, base sobre a qual assenta a liberdade de cada um de nós, resta perceber como é que cada cidadão irá utilizar essa liberdade. Ao contrário do que muitos referem, este é um tema que necessitaria de ser discutido. O poder de conferir liberdade plena a cada um, implica que cada um de nós tenha consciência dessa responsabilidade, e de acordo com a sua consciência, determine o modo como a utilizará. Porque a liberdade de expressão é plena na sua globalidade, mas particular em cada um de nós. Porque cada um é responsável pelos actos que realiza de forma consciente.

1 comentário:

Anónimo disse...

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