quarta-feira, março 29, 2006

3 Leituras

Devido a alguma falta de tempo, apenas hoje tive oportunidade de recomendar três textos. O primeiro é o Editorial do Diário Económico, pelo Martim Avillez Figueiredo sobre o conceito de liberalismo em Portugal:

Um deles, igualmente conhecido, foi escrito pela mão de Anthony Crosland em 1957, antecipando o que agora se chama socialismo de mercado. Tinha mercados livres, claro, mas mantinha o Estado atento. Um dos seus mas fiéis adeptos e seguidores é o bem conhecido Anthony Giddens – esse mesmo que criou a Terceira Via e mantém Blair no poder há uma década. O mercado actua livremente e o Estado existe para defender um conceito de mercado: os ‘stakeholders’. Blair é um liberal, Giddens é um liberal, como Clinton era um liberal e sim, Sócrates é um liberal que leu Giddens.

Mas em Portugal ser liberal não é isto: paciência. O país conhece os desafios que enfrenta e deve ponderar nas respostas que quer dar. Uma delas, é a resposta errada: defender a liberdade acima da lei ou o interesse próprio sobre o colectivo invocando, por exemplo, as virtudes do livre funcionamento do mercado.


O segundo texto, também publicado no DE é da autoria do Prof. José Manuel Moreira, onde com a elegância que lhe é característica, reflecte sobre a crise de civilização visível em França nestes últimos tempos.

Em Paris, no final da manifestação da semana passada, centenas de agitadores perseguiram polícias, atacaram bombeiros que tentavam extinguir incêndios em viaturas e agrediram transeuntes ou manifestantes para lhe roubarem os telemóveis. Se há alguma coisa verdadeira grande e francesa é a rua: as manifestações, os motins e os incêndios. A França é mesmo inseparável das Luzes. Como costuma dizer um amigo meu: a França é um país de anarquistas e socialistas.

(...)

Infelizmente, as nossas elites (mesmo as mais à direita) são pouco dadas à metafísica e por isso muito devotas dos consensos e bastante tolerantes com motins. Daí a nossa dificuldade em entender a crise e como sair dela. Não sabemos como nos livrarmos do tão propalado consenso sobre a superioridade do nosso modelo social europeu. Muito menos percebemos porque a gestão da crise da civilização obriga à mistura de propostas de consenso com outras fracturantes.

Como sair daqui de forma civilizada? Que tal começar a questionar e a discutir as consequências que derivam de uma Ilustração que insiste em fundar os direitos unicamente no consenso?

Por último, o artigo de Rui Ramos sobre a nossa constituição:

Talvez não se possa dizer que a Constituição faz trinta anos no domingo. Depois de aprovada na Assembleia Constituinte a 2 de Abril de 1976, foi tão reformada e reescrita que só por uma ficção de continuidade podemos dizer que é a mesma. No entanto, assim se convencionou, e para tornar a lenda mais credível até se manteve o ”preâmbulo” intacto. Aí continuamos todos, como condenados, a ”caminho de uma sociedade socialista”, embora ”no respeito da vontade do povo português”. Certamente que já não vale a pena notar a contradição. E valerá a pena, fora de uma aula de história do constitucionalismo, falar da nossa lei fundamental? Com as revisões e a integração europeia, a Constituição já não é o tema de ”querela” que foi até 1989. Só Jerónimo de Sousa se preocupa com ela. Mas o nosso constitucionalismo merece alguma reflexão.

(...)

A Constituição de 1976 não era absolutamente má. O seu elenco de direitos e garantias, e a sua organização do poder político, depois de depurada do dirigismo militar, constituíam bases perfeitamente aceitáveis para uma democracia pluralista. Onde a Constituição ficou comprometida foi na tentativa de impor, sobretudo através dos capítulos ”económicos”, um objectivo ideológico comum a uma sociedade diversa e livre. As melhores constituições são as que abrem caminhos que não levam a lado nenhum – mas por onde, precisamente por causa disso, todos podem caminhar em conjunto.

Sem comentários: