sexta-feira, janeiro 27, 2006

A pureza de Constança Cunha e Sá

Constança Cunha e Sá presenteou-nos hoje mais um texto n' O Espectro, onde critica a competição cerrada que se assiste na blogofera, sobre a pureza ideológica do liberalismo.

Se eu me guiasse por alguns faróis do liberalismo que iluminam a blogosfera, já me tinha provavelmente albergado à sombra do socialismo. Intolerância por intolerância, antes a velha esquerda marxista do que este arrivismo ideológico que passa por liberalismo. Basta ler certas coisas que se escrevem, por aí, para se perceber que, para os seus mais zelosos apóstolos, o liberalismo…não é liberal. É um intricado de regras invioláveis e de certezas iluminadas. Uma luta feroz pela imposição da ortodoxia. E um campeonato pueril de exibições mesquinhas e de egos mal ajustados. Ser mais liberal do que qualquer outro liberal é o grande desígnio que anima certos liberais. O liberalismo é o exclusivo de uns tantos: há sempre alguém, de cartilha em punho e de dedinho em riste, disposto a zelar pelos princípios da seita. O mínimo desvio e a mais leve heterodoxia são imediatamente denunciados pela pena fácil dos mestres. Os mestres, na sua prodigiosa sabedoria, conhecem, apenas, um único caminho: os liberais, se quiserem ser liberais, têm que pensar segundo cânones liberais que foram criteriosamente estabelecidos pelas autoridades liberais, entretanto, designadas. E os cânones são apertadinhos. Não dão azo a deambulações do espírito. Nem a tergiversações doutrinais. A coroa de glória dos mestres é apanhar um liberal em falta. Denunciá-lo na praça pública. Apontar-lhe a ignorância. E mostrar, pelo caminho, a sua superior inteligência de mestre. O mínimo que se pode dizer é que esta gente, coitada, faz pior ao liberalismo que todos os apologistas do Estado.


Na sua opinião, estamos numa autêntica selva. O que importa é mostrar que a nossa "pilinha liberal" é maior do que a do blog do lado. Pouco importa as posições que defendemos para a nossa sociedade, e os autores em que nos baseamos! O que interessa é o tamanho, e já agora a pureza!

Muitos referem-se à entrada de CCS na blogosfera como uma lufada de ar fresco. Eu acrescentava também de pureza, com o estatuto de "Observadora para a pureza das Ideologias" e "Observadora para as guerrilhas liberais inter-blogs".

CCS dispara em todas as direcções, criticando aquilo a que denomina "os cânones liberais", e o linchamento público dos pseudo-liberais. Porém, não menciona ninguém. CCS é livre de dizer o que bem entender, defender o que bem entender e acusar quem bem entender. A liberdade de expressão não é propriedade do liberalismo, julgo eu, embora não seja um douto conhecedor de todas as ideologias e sub-ideologias (com respectivos anexos) da História.

Dada a ampla discussão que se seguiu na caixa de comentários desse post, CCS esclarece alguns pontos. Afinal, os visados "mestres" não são apenas no Blasfémias, mas estão espalhados por outros sítios. Todavia salienta, que não se trata de um ajuste de contas! É bom que CCS refira tal ponto, pois de outra forma seria impossível estabelecer uma relação de guerra entre mestres liberais e CCS.

O post de CCS assume-se de forma algo triste, tecendo críticas a destinatários sem rosto, esperando a confirmação imediata de todos quanto a lêm. Embora tendo inagurado o blog à pouco tempo, já deveria ter compreendido que dada a poisção que ocupa, possui o dever de não se render às críticas baratas e populistas, sejam elas de índole verdadeira ou falsa.

Já aqui referi que não simpatizo nada com alguns auto-denominados liberais da blogosfera, que consideram possuirem direitos de autor sobre citações e afins. Mas não é por existirem opiniões desse tipo que defendo uma sociedade mais estatizada, como sugere CCS. Essa é uma posição simplesmente conformista e cobarde.

Na linha da argumentação, gostei do post do Rodrigo Adão da Fonseca, uma voz séria na discussão deste tema:

1. Há, de facto, na blogosfera, e na discussão deste assunto em particular, muito ruído; em boa medida, porque a blogosfera é um espaço onde cada um pode escrever sem restrições; em parte, também, porque há bastante juventude, de sangue quente (ou aquecido à pressa por impulso hormonal); ou ainda muita gente que está num processo embrionário de formação, o que leva a que as imprecisões abundem com frequência; há, finalmente, um «cruzamento», interessante, mas potencialmente explosivo, entre interesses divergentes: de reflexão para-académica, de acção política e partidária, de aspiração mediática ou jornalística; ora, o modo como se alinham os conteúdos faz com que o output final seja muitas vezes criticável na perspectiva do outro, e dê lugar a acesas discussões.

2. A tudo isto acresce uma enorme dificuldade de definição do conteúdo do liberalismo. Não sendo, como o marxismo, uma doutrina com paternidade conhecida, mas uma corrente de pensamento que acomoda várias tendências e abordagens, com uma tradição plurisecular e multicultural, a sua conceptualização é aberta e até difusa.

(...)

5. Concordo que em Portugal o debate de ideias está excessivamente personalizado, e se desenrola com uma elevada falta de civismo. E, certo, está marcado por uma forte intolerância. Mas a CCS que me perdoe, mas o seu post está, neste contexto, enviesado, porque o mau carácter, a falta de educação, e o desrespeito pelos outros - o tal «dedinho em riste», o pensamento de «cartilha», os «princípios de seita», as «certezas iluminadas», as «exibições mesquinhas» e os «egos mal ajustados» - estão, infelizmente, por todo o lado.

6. O post da CCS «dispara para o ar», fazendo uma data de «vítimas civis». Por várias vezes pensei deixar de escrever na blogosfera, porque me cansa estar sistematicamente a ser bombardeado, mesmo quando a lama não me era directamente dirigida (como penso que é o caso). Que a «miudagem» se entertenha neste tipo de quezílias é-me indiferente, mas que uma jornalista da envergadura de CCS, num blogue lido por milhares de pessoas, se submeta a semelhante exercício, traduz-se numa tremenda desilusão.

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