sábado, novembro 19, 2005

Uma questão de liberdade

O acontecimento do liceu de Gaia já fez correr muita tinta e "clics", pelos diversos meios informativos. Confesso que não esperava tal cenário. Tal como José António Saraiva escreve no editorial do Expresso, também eu pensei que a notícia se tinha espalhado por falta de informação sobre outros temas. Todavia, o episódio sofreu um aumento de amplitude, em grande parte devido à crónica de Miguel Sousa Tavares publicada no Público de ontem.

A crónica apresenta inúmeras contradições entre aquilo que MST apresenta como suas convicções, e depois aquilo que idealiza para a sociedade, mas não é sobre isso que quero falar. Acho que a principal razão daquela crónica ser escusada, é que estamos a falar de pessoas com 17 e 19 anos, e por isso conscientes e responsáveis pelas suas acções. Uma coisa é não achar correcto aquilo que alguém faz, outra completamente distinta é tentar proibi-la de o fazer, na qualidade de cidadão de direitos e deveres idênticos ao de outros cidadãos.

Ainda nesta problemática, têm sido veiculadas opiniões que não concordo, nem revejo a minha ideologia - o liberalismo. É preciso dizer que este acontecimento tentou servir de trampolim para diversos sectores da sociedade se revoltarem contra aquilo que dizem ser ideais e correntes retrógradas, e que deveriam ser abolidas e eliminadas da nossa sociedade, usando para tal o argumento do liberalismo. O liberalismo não está ao serviço de qualquer moral. O liberalismo promove a liberdade de todos os cidadãos, de modo a que se construa e se conviva de maneira livre com o próximo.

A propósito deste tema o André Abrantes Amaral escreveu este post em Julho (Via Aforismos e Afins):

Sempre que se fala de liberalismo, de se ser liberal, vem à conversa a moral. A teoria resume-se a uma ideia muito simples: Se alguém é liberal na economia e na política, deverá sê-lo também em matérias morais. É claro que este raciocínio comum está errado. Um liberal é a favor da liberdade, mas de uma liberdade que não prejudique terceiros. Na minha forma de ver, é nesta perspectiva que qualquer discussão sobre os ‘costumes’, sobre o que é moralmente aceite, o que deve e não dever ser permitido, pode ser feita. O problema, muitas vezes, está na politização destes assuntos que, antes de serem políticos, são humanos.

Tomemos a título de exemplo o direito ao casamento dos homossexuais. É partindo daquele pressuposto que sou favorável ao casamento (numa definição jurídica diferente da que existe para o casamento de casais heterossexuais) de casais homossexuais. O assumir de qualquer responsabilidade que decorra da legalização da relação entre dois seres humanos, não diz respeito, nem interfere com mais ninguém. O mesmo já não sucede com a adopção de crianças por parte desses mesmos casais homossexuais, na medida em que, ao permiti-lo, estaríamos a marcar o futuro de uma pessoa.

As ditas questões morais são várias. A legalização do aborto, do consumo de drogas, da eutanásia e até mesmo do suicídio. A primeira é, de todas, a mais complexa. Por princípio apenas posso ser contra. Existem, no entanto, algumas vezes em que, creio, a solução que é o abortar pode ser aceite. São sempre situações muito concretas que nenhuma lei geral e abstracta pode prever. Esta apenas poderá antever a possibilidade de, em certos casos, o juiz ter poderes para julgar de uma forma equitativa.

De qualquer forma, o ser-se liberal em assuntos morais pouco tem que ver com o liberalismo. Não sou mais nem menos liberal que outros, apenas por ter as opiniões que tenho. Se assim fosse, Francisco Louçã seria um liberal em potência, o que todos sabemos não ser verdade. De resto, o liberalismo, para incredulidade de muitos, assenta bem mais nos valores que qualquer outra teoria ou regime dito conservador e, porque não, socialista.

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